Afif mostra que somos agiotas de nós mesmos

27 de dezembro de 1987
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 “O Estado é um autêntico estelionatário, porque leva o dinheiro do trabalhador e não lhe entrega o benefício”, afirmou o deputado Guilherme Afif Domingos (PL-SP), 43 anos, ao analisar, em entrevista ao JORNAL DO COMMERCIO, o pacote fiscal recentemente baixado pelo Governo. Virtual candidato do Partido Liberal à Presidência da República, defensor de eleições gerais em 1988, esse empresário com educação forjada em colégio de padres jesuítas, eleito com 508 mil votos numa eleição que ele considera, por causa da fraude do Plano Cruzado, um “estelionato eleitoral”, tem uma definição própria para os que defendem o parlamentarismo: “a diferença entre a direita e a esquerda que faz parte da Nova República é que a direita mamou até agora e a esquerda quer mamar daqui para frente, sem mexer em nada”.

Afif Domingos, católico praticante, casado, pai de quatro filhos, ex-diretor da Associação Comercial de São Paulo, cargo ao qual credenciou-se como administrador de empresas à frente do Grupo Indiana de Seguros, é o grande articulador do Centrão, uma circunstância que coincidentemente identifica sua postura política de centro. Ele quer o presidencialismo para que o governante eleito faça um pacto com a sociedade para quebrar a estrutura do que ele define como Triângulo de Ferro, “algo parecido com o Triângulo das Bermudas, onde o dinheiro entra e desaparece. Esse triângulo é composto da estatocracia, dos beneficiários dos gastos públicos e do político à cata de votos, em seus três vértices”.

Ao analisar o seu diálogo com o Partido dos Trabalhadores, o qual respeita mas tem divergências filosóficas fundamentais, Afif Domingos acha prematuro a implantação de uma filosofia de cogestão entre o capital e o trabalho e dá exemplos para uma conclusão de que, “no Brasil, somos agiotas de nós mesmos”. Para ele, o novo pacote fiscal é uma repetição da manobra da estrutura do poder para meter a mão no bolso do contribuinte, transferindo recursos do setor eficiente da sociedade para a estrutura ineficiente e, não raro, corrupta do Estado.

Como o Sr. vê o lançamento de sua candidatura, pelo Partido Liberal, à Presidência da República?

Primeiro, acho que o partido está preparando um projeto onde o aspecto nome é para ser definido numa segunda etapa. Mas se a pergunta se refere a como eu enxergo o projeto para um partido que está nascendo e crescendo, é uma grande oportunidade de fincar a sua bandeira doutrinária conceitual, se apresentar ao público. A grande oportunidade, não há dúvida, seria numa eleição presidencial.

Como o Sr. analisa os comentários acerca de que sendo o Sr. um deputado recentemente eleito, ter essa aspiração? Não seria prematura essa candidatura à Presidência da República?

Em primeiro lugar, não devemos chamar de aspiração e sim procurar olhar os projetos viáveis. Não existe a sorte, o que existe é o encontro da oportunidade com a capacidade. Portanto, como sabemos e podemos detectar que existe a oportunidade, temos de procurar estar capacitados para aproveitá-la. Sempre falo nós como partido, e o partido deve buscar ter em seus quadros figuras, pessoas, políticos, em condições de concorrer. Veja o próprio Partido dos Trabalhadores, agora começando a crescer como partido, buscando entre as figuras que tem grande retorno em termos de votação, o apoio necessário para que se aposte nelas para o seu próprio crescimento. Acredito muito mais nessa estrutura dos partidos que estão nascendo, utilizando os nomes dos seus quadros, do que buscar fora dos quadros partidários nomes que normalmente não tem muito relacionamento com a carreira política

Considerando que o Partido Liberal lançaria o Sr. como candidato à presidência, o Sr, que teve mais de 500 mil votos, foi o mais votado na capital paulista, por uma partido pequeno, a sua possível candidatura à Presidência no caso de uma derrota não seria prejudicial à sua carreira política?

Primeiro, eu queria discordar quando se fala do partido pequeno. Eu acho que todos nós nascemos pequenos. Somos um partido em formação, e a oportunidade que existe de um partido em formação é crescer. E é exatamente o embate eleitoral que traz o crescimento. Nele vamos montando as carreiras e a estrutura do partido. E aprendi no interior, uma vez, com um caipira numa eleição, que, quem disputa nunca perde. Esta lição de um homem muito simples vale para qualquer carreira política e formação partidária que esteja se estruturando, principalmente um partido que começa a crescer. Não devemos ter medo de competir. Aliás, esse é um defeito aqui no Brasil, de não olhar o aspecto da competição política como forma do aprimoramento do processo político. Mais do que nunca agora mais gente, mais partidos, mais lideranças, com maior oportunidade, devem participar do processo, principalmente levando-se em conta que existem dois turnos. Esta é a grande oportunidade de todos desfilarem o seu potencial político dentro dos elementos que possuem, em cada partido.

O Sr. acredita em eleição para presidente em 88?

Esta é uma pergunta que muita gente está se fazendo sem nenhuma certeza da resposta, mas posso afiançar que a Nação hoje reclama um processo de renovação. Estamos vivendo o momento de um acidente histórico, em termos políticos, talvez até maior que o de João Goulart, maior do que o de Café Filho, porque, se olharmos a carreira do Café Filho e Goulart, veremos que passaram por um processo de legitimação de urnas. Goulart foi eleito, aliás, como vice-presidente, tinha até campanha separada, e de qualquer maneira tinha um processo de legitimação. No caso atual o processo de legitimação foi à moda brasileira, o jeitinho brasileiro de se legitimar o Tancredo. Ninguém contestou a legitimação do Tancredo, apesar do processo, indireto, o presidente Sarney é um acidente histórico e conhecemos inclusive a fórmula pela qual ele foi escolhido vice-presidente: foi por lista de exclusão, exatamente o nome que não criasse risco de impugnação da candidatura de Tancredo Neves porque, afinal de contas, ele era um trânsito, estava fazendo exatamente uma mudança partidária para poder viabilizar o projeto. Então, quando o presidente Sarney assumiu, colocou a posição muito clara, que não estava preparado para aquela missão, não era para aquilo que estava se preparando, ser vice presidente e aquilo foi algo totalmente inesperado. A Nação entregou a Tancredo Neves uma procuração pessoal e intransferível. Ninguém pode dizer que o presidente Sarney não tentou. Ele tentou, mas, na verdade tem demonstrado, através destes últimos anos, que é, realmente, o maior acidente histórico em termos políticos da história brasileira. Portanto, neste instante, a Nação, à medida que a crise aperta, vai reclamar do processo de legitimação, precisa saber qual é o grau de resistência da estrutura do poder de convocar as eleições para 88, ou aguentar até 89. Mas uma certeza nós temos: de 89 não passa.

O Sr. acha que o Centrão vai conseguir uma solução para esse acidente de percurso do Sarney em 88?

Imaginar que o Centrão seria a forma de respaldo ao presidente acredito não ser o raciocínio correto. Eu, por exemplo, como vários companheiros, sou a favor não só de eleições para 88, mas de eleições gerais para 1988, de todo o processo. Portanto, não há uma unidade do Centrão em termos de homologação dos cinco anos para o presidente Sarney. Agora, hoje, pelo que estou sentindo, parece haver, por parte da estrutura do PMDB, o partido majoritário — quando se fala em PMDB, fala-se na política dos governadores como o ponto central, como a coluna mestra de sustentação do partido majoritário. Hoje, a política dos governadores quer a prorrogação do mandato do presidente Sarney, quer eleição em 1989. A política dos governadores quer a reforma fiscal, que é a forma de passar a mão no bolso do contribuinte para fazer caixa e usá-la para tentar salvar a campanha mais à frente e eleger os candidatos a prefeito, talvez como um dos casos mais escabrosos do uso do caixa público para efeito político. Portanto, se a decisão da Constituinte fosse hoje me parece que a tendência seria de cinco anos de mandato. Mas como ela pode ser para março, abril, e seria a última coisa a ser votada, vai depender da intensidade da crise, que se mostra bastante forte no começo de 88.

O Sr. acredita que deverá prevalecer essa tendência para cinco anos de mandato — portanto Sarney ficaria até março de 1990 — e nós só teríamos eleições em 89. Já vivemos uma crise econômica e política profunda. O Sr. teme que essa crise econômica e política possa se transformar numa crise institucional?

A crise institucional pode ocorrer até antes disso. Sinceramente tenho me preocupado demais, tenho conversado com o Dr. Ulysses, porque já temos uma crise econômica, que é inevitável, uma crise política, também inevitável, uma crise econômica agravada pela crise política, porque é a crise da falta de decisão, da falta de peso do poder, em termos de tomar atitude quanto à causa da inflação. Agora, a crise institucional pode acontecer, se nós, na Constituinte, não chegarmos a um acordo, se continuarem as manobras protelatórias, seja por falta de condições de entrosamento, seja até por manobra protelatória mesmo, em termos de se adiar decisões. Receio que a crise econômica, junto à crise política, crie também uma terceira vertente, uma crise institucional. A crise institucional pode criar um vácuo que, em matéria de poder, é extremamente perigoso, porque hoje qualquer processo de intervenção sabemos como começa, mas não como acaba.

Gostaria que o sr. analisasse para nós esse pacote fiscal baixado agora pelo Governo.

Esse pacote fiscal não é novidade. A cada final de ano a Nação é surpreendida com mais uma manobra da estrutura de poder metendo a mão no bolso do contribuinte com os mais variados artifícios, as mais variadas bandeiras justificativas, na verdade para continuar transferindo recursos do setor eficiente da sociedade, que é o cidadão, seja ele trabalhador ou produtor, que administra bem o orçamento, porque ninguém pode se dar ao luxo de gastar mais do que recebe. Portanto, o cidadão tem o orçamento equilibrado porque é punido se não o tiver. Então, à medida que ele equilibra orçamento, que busca ser eficiente na administração dos seus recursos, aquele que não foi eficiente — o filho pródigo —, chega no final do ano e faz um acerto de contas para transferir recursos da sociedade eficiente para manter a estrutura ineficiente e não raro corrupta, do Estado. Então, tenho aqui uma análise feita dos últimos cinco anos: quando chega mais ou menos a época do fim de ano, quando falta dinheiro no caixa, surgem os pacotes. Temos ai a invenção do Finsocial, um grande plano de picaretagem tributária feito em 1982, utilizando a bandeira do social como forma de anestesiar o bolso do contribuinte e arrancar recursos. Cria o imposto mais antissocial da história do Pais, por ser altamente regressivo: ele tanto grava o caviar como o arroz e o feijão na mesmíssima proporção. O Finsocial, em 25/5/82 pelo Decreto-lei 1.940, esperava arrecadados, em valores corrigidos, Cz$ 100 bilhões. Depois, veio o pacote de 1983, que instituiu, por decreto-lei, o Imposto de Renda de 4% do open, e outros que tais, que chegariam à ordem de arrecadação de Cz$ 8,8 bilhões. Também em 83, outro pacote fiscal, com a emenda Passos Porto, passa o ICM de 16 para 17%, e depois uma série de outros arranjos dentro do ICM, fazendo-o incidir sobre o lPI, no caso do cigarro, um pacote que prevê a arrecadação de CzS 463 bilhões. Em 85, um ano pródigo em pacotes, tivemos o primeiro pacote feito por Funaro e equipe, que atingia Cz$ 250 bilhões. Ainda em 85, a lei 7.450, aquela enviada ao Congresso ao apagar das luzes, dizendo que criaria a justiça fiscal para o trabalhador, esperava meter a mão no bolso do contribuinte e arrancar cerca de Cz$ 800 bilhões. Em 86, com os cruzados cruzadinhos, institui-se o empréstimo compulsório inconstitucional na verdade um tributo disfarçado em forma de empréstimo, com a arrecadação de Cz$ 1,5 trilhão, em valores corrigidos. Ainda em 87, como o Plano Bresser, no meio do ano, um pacote fiscal com a previsão de Cz$ 542 bilhões, em valores corrigidos. Só esta brincadeira daria, se a receita se comportasse de acordo com a previsão, Cz$ 3,5 trilhões, que somados ao pacote de agora (mais Cz$ 1 trilhão), somam Cz$ 4,5 trilhões. Pergunto: Cadê o dinheiro? Todo o ano vem se buscar recursos num autêntico buraco sem fundo. É exatamente esse conceito que temos da conta pública: arrancar dinheiro da sociedade, do contribuinte, e ainda com essa falácia. Vejo uma entrevista irresponsável do presidente Sarney, dizendo que a carga tributária no Brasil é pequena. Acho que é pequena para quem usufrui e muito dura para quem paga, porque no Brasil a carga tributária é altamente regressiva: ela atinge mais duramente quem menos pode. Na verdade, a carga tributária do Brasil tira de todos para beneficiar alguns poucos, que são os amigos do rei, que se banqueteiam nos banquetes das contas públicas.

Dentro do seu raciocínio, nas últimas semanas, temos assistido a uma espécie de festival de favores que o Governo tem prestado. São US$ 40 milhões para a Transbrasil, US$ 100 milhões para a Sharp, US$ 250 milhões para os usineiros, e agora estão dizendo que vai ter US$ 700 milhões para os estaleiros. Esses grandes grupos que estão próximos do poder conseguem sempre vantagens. Como que o sr. vê isso, na medida em que também faz parte do déficit público?

Primeiro, não devemos confundir a parte com o todo. O todo do empresariado, aquele inclusive de onde eu venho, que o micro, o pequeno e o médio empresário, não vive de favores, vive de regime de mercado. Eles, ao lado da classe trabalhadora, é que realmente geram o emprego no Brasil, porque se olharmos a economia informal, composta daquele que nem aparece e mais a economia formalizada que está no regime de mercado, teremos aí 85% da força de trabalho. Agora, quem realmente participa do processo da comedeira dos recursos da sociedade é o que eu chamo de Triângulo de Ferro.

E o que é esse Triângulo de Ferro?

Esse triângulo é também conhecido por Triângulo das Bermudas, porque nele o dinheiro desaparece. É composto por três vértices. O vértice superior é formado pela estatocracia, a nova classe, exatamente a estrutura que vive hoje por conta do Estado brasileiro, que se esconde atrás da bandeira do social, como forma de justificar a expansão do Estado, de acobertar o grande interesse que a expansão da máquina pública e o empreguismo da máquina pública, sem levar em conta se aquilo é realmente ou não função do Estado. O vértice interior é composto desse estranho capitalismo brasileiro, onde o capitalista só tem a lista, porque o capital ele vai buscar nos fundos públicos concentrados nas mãos da estatocracia. Ele se divide em capitalismo privado e capitalismo público. A grande característica dele é não correr risco. Ele não quebra, não vive da competição de mercado, vive da reserva de mercado, do protecionismo e do cartório. Como a estatocracia se esconde atrás da bandeira do social, este estranho capitalismo se esconde atrás de outra bandeira falsa, que é a bandeira do nacional, o nacionalismo de meios. Aqui no Brasil não tem nacionalismo de fins, não há um fim nacionalista, há um meio nacionalista e os fins que se danem, porque, para poder manter esse meio nacionalista, quem paga é o consumidor. Finalmente, o último vértice é o acobertador dos outros dois, é o político, a cata de votos, sempre disposto a apoiar os programas sociais, porque atrás deles estão os empregos necessários para a manutenção da máquina pública. De vez em quando, quando as quadrilhas brigam, essa verdade vem à tona. Como tivemos uma autêntica briga de quadrilhas, igual à daqui do morro da Rocinha disputando o ponto do jogo do bicho, lá se disputa o ponto do favor da máquina pública, isso demonstrou muito claramente que existe muito estadista do Funrural, como outros que justificam a sua atuação defendendo exatamente a sua parte na manutenção dos privilégios dentro da máquina pública. Tanto é que, quando se fala em reduzir gastos, há uma reação total dessa estrutura do político à cata de votos. E do outro lado ele também está sempre defendendo as bandeiras nacionais, porque delas está o cliente político dele, que financiou as campanhas e ele está sempre disposto a ser o guardião dos interesses dessa estrutura. Portanto, as pessoas de bem que por acaso chegou ao Governo, chegam a essa estrutura para trabalhar, acabam sendo vítimas desse Triângulo de Ferro. Então, entram com um discurso e de repente, no meio do caminho, sentem que não dá para mudar. Então, o jeito é aumentar o tributo, porque a massa da sociedade, como não tem canal de comunicação, nem canais partidários para se manifestar, acaba silenciosamente pagando a conta, como silenciosamente quem pode escapa. Está aí o aumento da economia informal e quem acaba sendo grande prejudicado é o popular “da fonte”, o assalariado que não tem por onde escapar.

O sr. tem conversado muito com o Lula. Tem muita aproximação e diálogo com o Partido dos Trabalhadores, sobre FGTS, sobre estabilidade do trabalho, uma série de coisas. É admissível, no futuro, alguma aproximação política, ou até uma união política entre o PL e o PT?

Fica bastante claro que, em primeiro lugar, acredito na autenticidade da luta do Lula, ou seja, o Partido dos Trabalhadores não está comprometido com o Triângulo de Ferro. O PL é a outra contrapartida não comprometida. Mas temos um antagonismo muito grande. O partido do Lula é um partido socialista, prega as bandeiras mais extremadas de um socialismo total, beirando o comunismo. Nós, como Partido Liberal, pregamos o novo liberalismo, o social-liberalismo, como bandeira moderna daquilo que está acontecendo em todo o mundo. Portanto, talvez lutemos com os mesmos meios, mas temos fins totalmente diferenciados. Somos bem opostos, e até partidos de oposição total dentro dos conceitos, mas que se respeitam dentro da sua luta e da pureza da sua própria luta. Mas, em matéria conceitual doutrinária ele é um extremo; nós, outro

O sr. falou em social-liberalismo. Passando por essa integração programática eventualmente entre o PL e o PT, com relação à participação do trabalhador no capital das empresas. Por exemplo, a Bovespa agora apresentou um projeto no que diz respeito à participação do trabalhador no capital: seriam 10% das empresas privatizadas passarem o capital para o trabalhador e há outras experiências bem sucedidas na França e Inglaterra. No Brasil, como o PL vê essa possibilidade?

Acho que antes temos de passar por um estágio bastante anterior ao da participação, que é o da cogestão dos benefícios sociais. Aí está o xis da questão. Hoje, o trabalhador é levado permanentemente a lutar contra o capital, como se capital e trabalho fossem coisas absolutamente antagônicas, próprio de quem prega a luta de classes. Na verdade, quem mais estimula a luta entre capital e trabalho, não é nem o trabalhador, nem o empresário. É exatamente quem está acoplado à máquina do Estado que provoca a divisão, para poder levar a sua parte de benefícios. Este é o ranço do fascismo corporativista da legislação brasileira. Não nos desgarramos disso. O getulismo, que era o fascismo traduzido na legislação brasileira nos trouxe exatamente o atrelamento dessas estruturas ao Estado. O Estado acabou sendo o grande pai, o grande benfeitor, o grande distribuidor dos benefícios, e hoje a realidade está aparecendo com muita clareza: que o Estado é explorador de quem produz e de quem trabalha. Está aí o pacote fiscal, e se olharmos — esta é uma proposta que até estou fazendo na nossa empresa em São Paulo — já estamos introduzindo esse sistema a partir do mês de janeiro, de fazer no holerite de cada trabalhador a composição do salário bruto dele, colocando tudo o que a empresa paga por ele e que ele não sabe dentro do custo do seu salário, para que haja exatamente o choque entre o que é o salário bruto e o que é o salário líquido realmente percebido. Vamos mostrar que a diferença é tão grande do dinheiro que vai para o Estado que aí seria o princípio da cogestão, vamos começar a dar, não o dinheiro para o Estado, para ele nos dar o benefício. Porque o Estado é o autêntico estelionatário, porque leva o dinheiro e não entrega o benefício. Isto está muito claro. Eu pergunto: Você, dentro desta organização, você vive de INPS ou tem um convênio de assistência médica particular? Esse convênio de assistência médica particular o que é? É o estelionato do Estado porque, além de pagar para o Estado que não lhe presta o serviço, a empresa ainda vai ter de pagar um convênio à parte para ter a prestação de serviços, coisa que encarece o custo do bem ou serviço produzido e vai ser pago pelo próprio consumidor — é a própria sociedade quem paga. Então, chegou a hora de começarmos a analisar: será que esse dinheiro que vai para o Estado, se fosse cogerido por vocês aqui, em termos de benefícios, seja dos planos de habitação, dos planos de assistência médica, dos planos de previdência, não teria uma aplicação social com muito maior retorno? Esse é o princípio do conceito do social liberalismo que é o primeiro grande passo: cogerir os benefícios sociais dos recursos que hoje são encaminhados ao Estado e que deveriam ficar para cogestão trabalhadores-empresários, seja via sindicato, seja via própria empresa. A segunda etapa deste relacionamento aprimorado, sem dúvida, seria a cogestão e a participação nos resultados da empresa. Então, temos um caminho a seguir, mas não podemos comparar com aquilo que está acontecendo na França e em outros países. Eles já estão num estágio mais avançado. A França, por exemplo, está utilizando o critério de fazer constar do salário bruto o montante dos encargos sociais pagos ao Estado, exatamente para reverter a situação.

Mas na Inglaterra é diferente. Tem encargos trabalhistas e sociais muito maiores, ou seja, o sr. tem muito maiores taxações sobre a empresa para transferir os benefícios sociais fazendo um trabalho de desmobilização de ativos nas estatais, passando primeiro pela participação do trabalhador…

Mas essa opção na Inglaterra é exatamente jogar para o mercado de capitais. Agora, eu pergunto, aqui no Brasil, o que adianta jogar no mercado de capitais, se o Estado acaba absorvendo todos os recursos disponíveis de poupança para ele? Hoje, existe quase uma monopolização da poupança nacional para financiar o déficit público. Portanto, não há dinheiro disponível, hoje, entre o mercado de capitais e a caderneta de poupança. Tanto é que foi até suspenso o benefício fiscal da caderneta de poupança, que acaba sendo um rendimento que ganhou até da própria inflação. Sem risco, para onde vai o investidor? Vai exatamente para onde lhe dá maior garantia em termos de retorno e, aqui no Brasil, a maior garantia em termos de retorno não é aplicar no capital de risco, é aplicar no capital de empréstimo, onde o Governo acaba sendo o monopolizador da poupança. O importante é notarmos que no Brasil somos agiotas de nós mesmos, porque acabamos emprestando o dinheiro para o Estado, e depois ele, para poder pagar a diferença dos juros, aumenta a carga tributária, ou aumenta a emissão. Enfim, entramos num ciranda da qual, mesmo com o estelionato eleitoral do Plano Cruzado, quando foi prometida a mudança isto não aconteceu.

O sr. está falando no Estado como um ente abstrato. O sr. não concorda que nos últimos 30 anos toda a formação de patrimônio e propriedade no País foi feita em cumplicidade com o Estado, que a oligarquia toda nacional, a oligarquia empresarial, é cúmplice e sócia desse Estado, que as 500 maiores empresas do País, excluindo obviamente as estatais, vivem e formaram patrimônios e fortunas em função de benefícios e isenções fiscais, de repasses de dinheiro líquido do BNDES para essas empresas. Então, falar do Estado como ente abstrato e esquecer o papel das oligarquias, sustentando, fundamentando essa máquina de transferência de recursos da sociedade. Não há uma cumplicidade aí. Então, falar do Estado como ente abstrato, da estatocracia e esquecer a oligarquia, não fica uma divisão estranha?

Quando defini o Triângulo de Ferro, deixei bem explícito isso. Esse triângulo é composto da estatocracia, dos beneficiários do gasto público e do político à cata de votos. Quer dizer, esse triângulo é a definição da estrutura onde a oligarquia que você cita se confunde com a própria estatocracia. Então, o que é a oligarquia senão a aliança da oligarquia tradicional com a estatocracia? A nova classe, a burguesia intelectual, esses grupos que saem das universidades, ocupam os altos postos e acabam sendo os patrões da sociedade, introduzindo aquilo que eu considero o autoritarismo intelectual, onde esses indivíduos têm total desprezo por aqueles que foram formados pela adversidade, no dia-a-dia que lotaram e conhecem a realidade da vida pela visão prática.

O sr. defende o presidencialismo?

Claro. O processo de eleições tem sido postergado nos últimos 26 anos. O grande Juscelino Kubitschek de Oliveira, em discurso feito em março de 1965, nos Estados Unidos, dizia que quanto mais rápido se devolvesse ao povo a decisão sobre os destinos do País, mais rápido o Brasil se reencontraria com as suas tradições democráticas e a base do seu verdadeiro desenvolvimento. A sociedade dinâmica, hoje, está clamando pelo processo de participação e é este pacto entre o governante e a sociedade que vai quebrar a estrutura desse Triângulo de Ferro. Daí o pavor que essa estrutura tem de eleições, tentando prorrogar o processo introduzindo algo como parlamentarismo — que é a forma de mudar o governo sem passar por eleições — para continuar no poder ao qual ascendeu legitimado pelo estelionato eleitoral do ano passado.

Mas há correntes progressistas do PMDB e o próprio Partido Socialista Brasileiro defendendo o parlamentarismo.

Existe muito farisaísmo por aí. Queria, com toda franqueza, fazer uma colocação: a diferença entre a direita e a esquerda que fazem parte da Nova República é que a direita mamou até agora e a esquerda quer mamar daqui para frente, sem mexer em nada.

 

Jornal do Commercio – 27 e 28 de dezembro de 1987

Entrevista a Azi Abmed

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