Afif inaugura “espaço liberal” em São Paulo

5 de setembro de 1989
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Afif inaugurou ontem, à avenida República do Líbano, zona sul de São Paulo, uma sede que deverá funcionar como o centro difusor da ideologia do partido, o chamado “novo liberalismo”, que, essencialmente, condena o intervencionismo do Estado e pretende representar os interesses da classe média em geral e, em particular, do pequeno e médio empresário. Surpreendente, o deputado não hesita em proclamar semelhanças entre seu programa e o do dirigente soviético Mikhail Gorbatchev, cuja política de abertura na URSS (“glasnost”) corresponderia à tentativa de valorização do pequeno empresário e de soluções criativas “de centro”. Diz que o “Plano Cruzado” foi um programa de “estelionato eleitoral”, afirma que o presidente do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio Lula da Silva, é uma liderança autêntica com quem poderá ter “alianças momentâneas”, e adverte contra a “crise profunda”, mas acredita “‘não haver clima” para uma intervenção militar.

Folha — Qual a crítica que o PL faz ao intervencionismo do Estado?

Afif — O Estado é hoje muito mais um indutor de problemas sociais. Partimos do princípio de que a ação dos indivíduos devidamente promovidos pela ação do Estado pode resolver os problemas de melhor forma do que o social-estatismo em que o Estado intervém e executa.

Folha — Sua critica assemelha-se ao discurso de Ronaldo Caiado, presidente da União Democrática Ruralista. O senhor acredita que esta semelhança poderá ser a base para uma eventual convergência orgânica?

Afif — A UDR tem uma plataforma claramente corporativa, de defesa de interesses setoriais. Um partido não pode ser corporativo, mas eu acho que a gente tem que ser pragmático. Como eu disse que a gente pode desenvolver ações conjuntas com o PT em determinados momentos, o mesmo pode ser aplicado ao Caiado.

Folha — O senhor acredita ser possível o liberalismo neste país?

Afif — Nós achamos que a ideia do social-estatismo é do passado, porque se confunde com o fascismo corporativista que instruiu a ação do Estado brasileiro. O modelo que estamos revendo hoje é o modelo de 30, que está sendo revisto no mundo inteiro. Até (o dirigente soviético Mikhail) Gorbatchev está revendo Josef Stalin.

Folha — Há uma aproximação entre o PL e Gorbatchev?

Afif — Se você considerar a política de abertura na União Soviética (“glasnost”), você vai notar uma incrível semelhança em termos da busca de um modelo novo, de centro, que não é nem o liberalismo do “laissez faire” nem o social-estatismo, que pode ser de esquerda e de direita. Não é por acaso que existiram, na mesma época, Josef Stalin, Adolf Hitler, Francisco Franco, Oliveira Salazar, Benito Mussolini, Getúlio Vargas, Juan Perón. O conceito de social-estatismo que nasceu após a Grande Depressão (1929) teve seu modelo esgotado.

Folha — Mas no Brasil há o problema da hipertrofia histórica do Estado, do clientelismo e corrupção que a ela estão associados…

Afif— O PL elaborou um conceito a respeito, que chamamos “triângulo de ferro”. Se nós imaginarmos uma pirâmide dividida em três partes, nós vamos ver que a primeira parte (a base) é a economia informal, brutal no país. A segunda parte é onde está a pequena, a média e até a grande empresa, que competem e não vivem de favor, de reserva de mercado. A última parte (o vértice) é o “triângulo de ferro”. Ali está localizada o que chamo de “tirania do status quo”. O seu vértice superior é a estatocracia – a nova classe no país, a que vive dominando e regulamentando o Estado em benefício próprio. O segundo vértice, o inferior, é aquele em que o capital não competitivo vai buscar fundos públicos administrados pelo vértice superior O último vértice é o político a cata de votos, que está sempre disposto a apoiar a política social da estatocracia porque é por ali que ele tem os empregos, os favores. Esta ponta da pirâmide é o opressor deste país, que se endivida através do braço conivente do sistema financeiro, que mantém o monopólio da captação da poupança nacional às custas do trabalho da nação.

Folha — A proposta de modernização da economia do PL implicaria mexer com as estatais e setores das Forças Armadas. Isso é viável?

Afif — Acho que a única forma de fazer isso é realizar a eleição direta para presidente porque é o momento em que o povo faz um pacto direto com o seu governante. O parlamentarismo, ao contrário, criaria um “atravessador” entre o povo e seus governantes.

Folha — O senhor pretende candidatar-se a prefeito de São Paulo?

Afif — Vamos disputar as municipais, e a Prefeitura de São Paulo é uma delas. Já temos 120 diretórios no Estado e, na medida do possível, pretendemos lançar candidatos em todos. Vamos fazer nossas convenções gerais por volta de fevereiro e a nossa previsão é a de que teremos no mínimo trezentos diretórios formados.

Folha — Como o senhor avalia o quadro conjuntural hoje?

Afif — Acho que há a vertente de três crises profundas. Uma é a crise política gerada por um acidente histórico. O presidente José Sarney é um acidente, até mais grave do que João Goulart ou Café Filho. O pacto de transição – pelo fato de não termos eleição e tentarmos uma legitimação via indireta – deu uma procuração pessoal e intransferível para o presidente Tancredo Neves. Sarney tentou grandes lances para conseguir a procuração mas todos, pela precariedade das propostas, foram fadados ao insucesso. A segundo crise é econômica, como consequência de uma ação de governo fraco. E terceiro, a crise institucional, que temos que evitar a qualquer custo. O deputado Ulysses Guimarães tem toda razão quando pede que a Constituição seja votada o mais rápido possível.

Folha — As eleições não resolverão tudo. Há, por exemplo, o problema da divida externa.

Afif — A dívida está sendo colocada como um cavalo de batalha. O “não” ao Fundo Monetário Internacional é, na realidade, um “não” à auditoria que o FMI realizaria nas contas do país. O problema é que o “triângulo de ferro’ não quer esta auditoria. Ele quer decreto-lei para ir buscar mais dinheiro, como está fazendo agora. O Brasil tinha que estar procurando parceria com os países asiáticos (Japão, Formosa, Coréia do Sul), pobres de recursos naturais e ricos em gente (educação, formação técnica). O Brasil tem recursos, mas sua maior pobreza são nossas elites. Enquanto a URSS e a China estão convidando o Japão para uma parceria deste tipo, a nossa elite está dizendo que em vez de fazer aliança com os ricos temos que fazê-la com os pobres. O mundo mudou e a elite brasileira não.

 

Folha de S.Paulo – 5/9/1989

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