“Acelerem os pequenos, esqueçam os grandes, agora”

18 de dezembro de 2013
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Um dos principais objetivos da Secretaria de Micro e Pequena Empresa da Presidência da República, criada em maio deste ano, é fazer com que os governos municipal, estadual e federal cumpram a legislação que diferencia o tratamento ao pequeno empreendedor nos âmbitos administrativo, creditício, tributário e previdenciário, define o ministro-chefe da Secretaria, Guilherme Afif Domingos, que também é vice-governador do Estado de São Paulo pelo Partido Social Democrático (PSD). A aposta do ministro para 2014 é a criação do portal SIM, que irá simplificar vários trâmites burocráticos e permitir a redução de 150 para cinco dias o tempo médio de abertura e fechamento de empresas no Brasil. Além disso, segundo Afif, será um espaço onde as micro e pequenas empresas poderão interagir com outros empresários e buscar soluções tecnológicas para os seus negócios. “Se a carga tributária dos pequenos for aliviada, eles vão responder pela renda e pelo emprego do país. Não serão os grandes, que hoje estão criticando, que irão desempenhar esse papel.”

 Qual a sua visão a respeito da importância do micro e pequeno empreendedor para economia brasileiro?

É só observar que 97% do universo empresarial é composto de micro e pequena empresas, que representam 52% da mão-de-obra no Brasil. Porém, respondem apenas por 25% do PIB, porque a nossa economia é brutalmente concentrada.

Essa participação das pequenas no PIB poderia ser maior?

Sim, até porque a participação das pequenas no comércio exterior é praticamente nula.

Qual a função prática da sua pasta?

Nosso papel é ser um ministério de coordenação para que todas as ações de governo se voltem para o tratamento diferenciado para o pequeno. O artigo 179 da Constituição garante tratamento jurídico diferenciado para micro e pequeno empreendedor nos campos administrativo, creditício, tributário e previdenciário, onde a União, Estados e Municípios podem até eliminar e diminuir obrigações. Tem plenos poderes, por meio de Lei, de criar desoneração em cima dos pequenos. É preciso fazer o governo pensar no tratamento diferenciado.

Cite um exemplo dessa falta de tratamento diferenciado?

Quando os micro e pequenos tiverem um diferencial para o recolhimento do ICMS, os Estados aplicaram a substituição tributaria generalizada. Isso anulou o benefício ao pequeno empresário, que tem direito pela Constituição. Portanto, cometeram uma ilegalidade que hoje se espalha por todo o país. Isso é altamente prejudicial ao desenvolvimento dos pequenos negócios. E um exemplo do desrespeito que acontece.

E o que o seu Ministério tem feito para reverter essas situações?

Temos atuado no Congresso para a simplificação da legislação, porque é o Congresso que faz a Lei. E a Lei, muitas vezes, tem de enfrentar a burocracia interna dos governos, que são fortes geradoras de complicações.

Que outras demandas o ministério leva ao Congresso?

Também queremos a universalização do Simples, a eliminação da substituição tributária, unificação das obrigações acessórias, facilidade de crédito para investimento e garantia através do fundo de aval.

Quais as principais metas do Ministério para 2014?

Neste primeiro ano, nossa missão, determinada pela presidente Dilma, é a implantação da Rede SIM, para simplificar a abertura e o fechamento de empresas.

Como será feita essa implantação?

Fechamos um contrato de R$ 30 milhões com o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) para a implantação de um grande portal digital, para abertura e fechamento de empresas. Esse portal vai ser também o maior portal B2B do Brasil, com 8 milhões de CNPJs.

Quanto tempo se gasta hoje para abrir e fechar uma empresa?

O tempo médio é de 150 dias. Queremos reduzi-lo para cinco dias. Esse processo, pelo portal, será totalmente digital. Todas as empresas que têm registro na Junta Comercial vão usar assinatura digital para acabar com o papel. Queremos criar um cadastro com o uso obrigatório do CNPJ como registro único. Isso eliminaria as várias inscrições (municipal, estadual, na vigilância sanitária, no meio ambiente, no corpo de bombeiros etc.). O portal é nossa grande meta para um ano. Em cima dessa é que vamos estabelecer as outras.

Em quanto tempo esse portal estará no ar?

O prazo de desenvolvimento é de seis meses, com a implantação e treinamento das equipes em até um ano. Até o meio do ano, o Serpro tem de entregar o projeto pronto, e até o final de 2014, temos de implantar pelo menos em uma praça por região brasileira.

Qual a importância dessa ferramenta para o país?

Todas as nossas energias estão voltadas para este portal. Até porque o Banco Mundial coloca hoje o Brasil no 116° lugar entre os países que apoiam o empreendedorismo, em função do tempo de abertura e fechamento de empresas. Ou seja, o Brasil, na verdade, não apoia nada.

Que outras ações o governo pode fazer no curto e médio prazos para incentivar o crescimento das micro e pequenas?

É desonerar; deixar os pequenos livres para se tornarem criativos. Quanto menos o governo atrapalhar, melhor. Menos burocracia, eliminar obrigações acessórias, facilitando a vida do pequeno para que ele tenha multo mais tempo para trabalhar e para produzir do que perder tempo para atender obrigações fiscais e tributárias.

Que outros obstáculos impedem o desenvolvimento das micro e pequenas empresas?

Acesso à inovação é fundamental, principalmente, porque há uma distância entre as áreas científicas e o pequeno empresário.

Como o governo pode contribuir para essa aproximação?

Por meio das Praças de Negócios, que serão oferecidas no portal, que, além de abrir e fechar empresas, também vai ser um ponto de encontro entre inovação, oferta e procura de tecnologia. Todos os institutos de pesquisa vão colocar suas ofertas de tecnologia para desenvolvimento da pequena empresa. E as pequenas empresas vão apresentar as suas necessidades de desenvolvimento tecnológico. Há soluções que já existem, mas o pequeno não tem acesso. E há necessidades que o mercado demanda e que irão instruir a área de pesquisa, que passa a ficar mais próxima do mercado e da realidade do pequeno empresário.

Os atuais programas de fomento às micro e pequenas empresas, como Programa Crescer, são suficientes? O dinheiro chega até quem precisa? O que po de melhorar?

Programas de crédito orientado são bem vindos. Porém, quando se olha hoje o painel do crédito orientado, 90% das aplicações ainda são para pessoas físicas e não para pessoa jurídica. Ou seja, o cidadão ainda tem dificuldade para se formalizar. E ele pega mais dinheiro para capital de giro do que para investimentos.

Isso é uma distorção do programa?

Na verdade, o sistema financeiro, por falta de informações de pessoa jurídica, pela informalidade existente, vai operar com o que ele conhece, que é o crédito de pessoa física de curto e não de longo prazo. Não se financia uma máquina em 40 meses para uma empresa, mas se dá crédito para o consumidor comprar uma televisão. No Brasil, tem muito mais crédito para bens de consumo do que para bens de produção.

Mas não é aí que deveriam entrar as políticas de governo?

Nós temos que entrar com a ideia do fundo garantidor de operações. Porque só se dá prata a quem tem ouro. Ou seja, só se dá crédito de longo prazo a quem tem bens para dar como garantia. E o pequeno geralmente não tem bens, principalmente aquele que está começando a sua atividade. Às vezes, o financiamento de uma máquina pode fazer uma pequena empresa dobrar de tamanho, gerar mais quatro ou cinco empregos e mais renda. Faria o país ter um “pibão” e não um “pibinho”. O sistema atual acaba concentrando os recursos em poucos, que levam muito dinheiro e geram pouco emprego.

Ainda dá para melhorar os programas de fomento?

Sim. Muito. É preciso usar mais os fundos de aval como garantia suplementar no crédito de investimento em máquinas e equipamentos para os pequenos.

Esse tipo de iniciativa pode fazer crescer em quanto o crédito?

Um bom sistema de fundo garantidor pode multiplicar pelo menos por cinco o atual volume de crédito para investimento.

O baixo crescimento econômico do país afeta a vida dos pequenos empresários?

Estranho esses dados econômicos, porque estamos vivendo um regime de pleno emprego. E quem mais tem gerado postos de trabalho são o micro e o pequeno, mas isso não é noticia. Numa economia que dizem estar tão ruim, como é que pode ter pleno emprego. Minha tese é: acelerem os pequenos, esqueçam os grandes, agora.

Então, as notícias de crescimento baixo da economia brasileira não preocupam o senhor?

Minha única preocupação é que não se aumente ainda mais os impostos. Se a carga tributaria dos pequenos for aliviada, eles vão responder pela renda e pelo emprego do país. Não serão os grandes, que hoje estão criticando, que irão desempenhar esse papel.

 Quanto a burocracia ainda impacta os micro e pequenos empreendedores?

Os pequenos não conseguem ultrapassar a barreira do cipoal burocrático. O principio do tratamento diferenciado não é aplicado ao pequeno. Por exemplo, a Anvisa tem normas gerais, mas não tem uma norma específica para o pequeno. Todas as outras áreas governamentais, quando baixaram normas, não se preocuparam com os pequenos. Por isso, estamos propondo ao Congresso que o que não tem tratamento diferenciado não se aplica ao pequeno, para obrigar quem faz lei,
norma e regulamento pensar que tem o pequeno. Ele mal tem tempo de se preocupar com a produção e com a venda. É preciso eliminar a burocracia e deixar o pequeno empresário com tempo livre para pesquisar mais, produzir mais e crescer mais.

Excesso de burocracia gera informalidade?

Absolutamente, sim. Cerca de 30% do mercado de comercialização de bebidas é feito por pessoa física.

O que isso significa?

Os botecos não têm nem empresa.

Com a simplificação o governo arrecadaria mais?

Vamos pegar o exemplo do MEI (Micro Empresário Individual).Hoje já tem 3,5 milhões de formalizados, que eram informais e não pagavam nada. Hoje, já estão pagando Previdência. Desde que foi criado o MEI, um milhão de micros têm se formalizado por ano. Esperamos, em dez anos, formalizar dez milhões de microempresários. Quando todos pagam menos, os governos recebem mais. Quanto mais transparente e simples o sistema. mais fácil de o cidadão entender e mais fácil de cumprir.

A Copa do Mundo, no ano que vem, e as Olimpíadas de 2016 vão deixar algum legado para as micro e pequenas empresas?

Tudo isso são oportunidades para as pequenas empresas aumentarem a sua participação. Só de artesanato, já estamos comprando 27 caminhões para distribuir nas feiras de artesanato nas 12 sedes da Copa. Existe por parte do turista estrangeiro uma fortíssima demanda pelo artesanato brasileiro. E são microempreendedores que produzem e vão vender mais. lsso são micro universos que os grandes economistas não enxergam e que sustenta o crescimento do país.

 O brasileiro é empreendedor por natureza, mas é um bom gestor do seu próprio negócio? Ainda falta preparo para o micro e pequeno?

Essa questão está ligada à nossa estrutura educacional, formação de mão-de-obra, etc. Hoje, os próprios cursos técnicos profissionalizantes, que formam o trabalhador para ter registro em carteira, poderiam formar o aluno para tornar-se um empreendedor. Não precisaria, necessariamente, chegar à faculdade. A universidade é importante, mas o ensino do empreendedorismo já poderia começar nos cursos técnicos. A universidade é um complemento, não é uma obrigação.

Publicado no jornal Brasil Econômico em 18 de dezembro de 2013.

 

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