Quem está com medo do PT

25 de novembro de 1988
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Não é a primeira vez, nem a última, que em São Paulo e pelo Brasil afora a cidadania faz uso de um direito, que é o do sufrágio universal e direto, para protestar e manifestar a indignação coletiva. Um direito legítimo embora inconstante neste continente pontilhado de oligarquias centenárias e atrofiado politicamente pelo caudiIhismo civil e militar.

Esta capital, sempre altiva e inconformada, jamais perdeu a oportunidade de castigar os abusos do oficialismo e a incompetência das administrações desviadas do interesse público. Tem sido assim desde que a Constituição de 1946 deu-lhe vida autônoma.

O 22 de março de 1953 foi o início de um processo reiterado de rebelião contra as imposições da rotina, da prepotência e da incúria gerencial.

A última ditadura abusou, por mais de 20 anos, do predomínio da força para aniquilar as instituições partidárias e as lideranças democráticas que deveriam se incumbir de aperfeiçoar o sistema representativo. Os tiranetes que se revezaram no poder, sem o apoio das urnas, e os seus proconsules regionais, abastardaram a legítima ação política, entregando a direção do país e a sua representação legislativa, excluídas poucas exceções, ao que encontrou de menor nos desvãos da nossa vida pública.

Farta de mando, dilacerada por contradições decorrentes da feroz luta pelo poder e após entregar-se a uma nefasta prática de governo, estatizante, jactanciosa e perdulária, a tirania decadente se compôs com as correntes oposicionistas mais espertas e sedentas de posições. Juntaram-se, na mais estranha simbiose política, os repressores e os reprimidos, os corruptos e seus acusadores implacáveis, compondo um quadro anárquico de governo, comandado exatamente pelo ex-presidente do partido da ditadura, transmudada em “Nova República”. Congregaram-se todos para tanger o povo da praça pública e foram avidamente às tetas do poder.

A ausência de um processo de ruptura, comum em quase todas as mudanças de regimes de autoridade, e a consequente manifestação eleitoral, conforme aconteceu em 1945, para a escolha de um governo legitimado pelo povo, jogou o Brasil no lamaçal em que estamos vivendo. Sem luz, sem horizonte e sem esperança.

As vestais que se diziam vítimas do “autoritarismo” e que se propunham a rever o que chamavam “entulho autoritário” recorreram sem pudor ao decreto-lei e aos mesmos processos políticos e jurídicos para exercerem o governo. Impuseram o calamitoso Plano Cruzado e dele se utilizaram para monopolizar as situações estaduais e a representação parlamentar. Entregaram-se à confecção de uma Constituição consagrada aos princípios do velho fascismo corporativo já superados no mundo inteiro. De quebra, fixaram o mandato presidencial em cinco anos prolongando uma situação deletéria e insuportável que toda a nação quer ultrapassar.

Por que então tanto choro e ranger de dentes? Ou também, por que tanta festa?

Reconheça-se, com justiça, que o PT não compactuou com a farsa da “Nova República” e manteve-se fiel à propaganda das eleições diretas. Credenciou-se, portanto, à preferência popular como o instrumento de protesto mais descomprometido com as fontes da crise que atinge a nação como um todo, já no limiar do desespero.

Uma coisa é a imagem nova e coerente do PT e outra as concepções ideológicas dos seus militantes. E o que veremos agora, na prática do exercício de vários governos municipais. Está visível o exemplo dos “governos socialistas” do Saturnino Braga e da outra Luiza, lá na terra de Iracema.

Socialismo é coisa velha, do século 19. Marxismo é tão idoso quanto a locomotiva a vapor. Não tem mais velocidade, nem eficiência para os nossos dias.

Para quem está alarmado com o discurso erundiniano, veja o que propalava Getúlio Vargas, o ditador risonho e ainda saudoso, em 4 de maio de 1931, em discurso pronunciado no Palácio do Catete, instalando a comissão legislativa: “Julgo ainda aconselhável a nacionalização de certas indústrias e a socialização progressiva de outras, resultados possíveis de serem obtidos mediante rigoroso controle dos serviços de utilidade pública e lenta penetração na gerência das empresas privadas cujo desenvolvimento esteja na dependência de favores oficiais”. Iniciava-se o processo socializante populista no Brasil.

Não precisamos ir a Marx para temer o discurso petista-brizolista. Ele tem cerca de 60 anos entre nós e era comum também a Hitler, Mussolini e Cia. De lá para cá o capitalismo caboclo desenvolveu-se sob o regime de concessões oficiais. O regime despótico de 1964 completou, principalmente depois de 1967, um grau de controle estatal da economia que chega a níveis semelhantes ou maiores que de vários países socialistas da Europa central.

O PT está representando um protesto circunstancial e novo, mas com objetivos arcaicos.

Queremos e devemos nos opor, com inteligência, sem exacerbações e sem passionalidade à repetição do velho tema socialista-populista estatocrático, surgido aqui depois de 1930 e já caduco no mundo moderno e inteligente que está construindo o novo projeto do século 21. A sociedade exige coerência, coragem e equilíbrio. É o que temos a oferecer.

Os liberais paulistas e brasileiros têm também o seu encontro marcado com o destino. Vamos renovar para sobreviver, caminhando, coerentemente, pelo centro e para a frente.

 

Publicado na Folha de S.Paulo em 25/11/88

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