Paciente deve ter direito de escolha

1 de novembro de 1989
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É normal que haja no Brasil, como em qualquer lugar, os males que significam as limitações e desgastes da “máquina” humana ou que traduz em desafios à ciência. Entretanto, temos aqui muito mais que a presença universal do câncer, das doenças degenerativas, em que se destacam as arteriais e os infartos, acidentes vasculares cerebrais, insuficiência renal e muitos outros graves problemas que delas resultam. Ao seu lado, ostentamos a permanência de afecções peculiares ao atraso econômico e cultural e, ao mesmo tempo, as que surgem com a intensificação do uso de várias formas de energia e com a industrialização.

Ainda estão aí, como no passado, as deficiências de nutrição e um vasto elenco de doenças transmissíveis, como esquistossomose, parasitoses intestinais, mal de Chagas, leishmanioses, malária, tuberculose, hanseníase, doenças venéreas, febre amarela, dengue, sarampo e tantas outras, para as quais são bem aproveitados os meios preventivos existentes. Elas nos colocam junto com os atrasados.

Já estamos, por outro lado, com elevados índices de acidentes compreendendo os do trabalho, dos transportes e até domésticos. A industrialização e a velocidade dos veículos acompanham o que se vai criando no mundo, sem que se faça o mesmo com os riscos que lhe são inerentes.

Simultaneamente, industrialização e veículos poluem, principalmente o ar e os cursos d’água; e, na agricultura, assim como na fabricação e distribuição de alimentos, agem também como poluentes certos fertilizantes, pesticidas e aditivos que visam ao aumento da produção. São males do desenvolvimento, que ainda não controlamos.

Acompanhando todas essas causas, acrescentam-se vacinações feitas espasmodicamente, falta de abastecimento de água, péssimas condições habitacionais de grande parte da população, ausência de tratamento adequado dos dejetos humanos, domiciliares, industriais e outros, precariedade geral do saneamento e insuficiente esclarecimento da maioria das pessoas o que as torna mais vulneráveis. Pode-se entender, por isso, a rapidez com que se expandiu no país a síndrome de imunodeficiência adquirida (‘‘sida’’ ou aids’’).

Tal quadro explica o preocupante estado da saúde, que mostram os indicadores, com altas incidências de muitas enfermidades, elevada mortalidade infantil e modesta esperança de vida ao nascer.

A má situação culmina com a dificuldade de acesso ao atendimento oportuno, tornando irremediáveis casos que não chegariam necessariamente à incurabilidade, à invalidez, à morte.

A comunidade, com toda a razão, demitiu-se da atribuição de provedora espontânea de recursos assistenciais, pois foram sucessivamente criados para essa finalidade novos encargos que recaíram sobre empresas e pessoas físicas.

A capacidade da rede hospitalar não acompanhou o crescimento econômico e defasou-se ainda mais em relação ao aumento da população; sua modernização e até sua manutenção têm sido difíceis.

Foi-lhe imposto gritante aviltamento de retribuição financeira, que a conduzirá a insolvência ou a padrões inaceitáveis de atendimento, à proporção que se torna vitalmente dependente do sistema de previdência social vigente. Problemas graves, como é o caso das infecções hospitalares, têm sua solução prejudicada pelas dificuldades econômicas.

Esses óbices geraram uma solidariedade social pervertida: têm facilidade de acesso os que dispõem de mais meios financeiros ou de bom apadrinhamento; retarda-se ou não se efetua a assistência aos de menores posses e menos relacionados. Enquanto isso, recorre-se amplamente à automedicação, com a piora do estado do paciente e desperdício de seus parcos recursos, assim como dos medicamentos inadequadamente consumidos.

Chegou-se ao ponto de denominar “eletivas” cirurgias que são proteladas com óbvio agravamento das doenças; e de utilizar um procedimento especial e mais bem aquinhoado para os servidores da Previdência Social, curiosamente chamado “patronal”.

Em tudo isso há uma observação constante: a cada dia mais se degrada a situação, apesar da demagógica afirmação do “direito à saúde”.

O que se deve reconhecer é o direito de todos a uma assistência à saúde que permita prevenir doenças e, como diz o velho aforisma médico, curar se possível, aliviar o sofrimento ou pelo menos confortar. É impossível prometer saúde, mas é possível e forçoso que o governo tenha o compromisso de prestar assistência à saúde, de boa qualidade, suficiente e rápido.

Há um valor essencial a ser identificado e difundido: a consciência, que deve ter cada pessoa, de que ela é responsável por sua saúde, tendo o dever de protegê-la e, quando for o caso, de procurar sem demora a assistência de que precise.

Isso pressupõe, de parte do governo, a implantação de medidas que ensejam não só o esclarecimento de todos como a disponibilidade de meios para promoção, defesa e recuperação da saúde.

 

Publicado na revista Medicina Social, na edição de novembro de 1989

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