Os liberais e os seus deveres

15 de setembro de 1988
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Alguns, no Brasil, ainda pensam que o próximo embate eleitoral, em 1989, será travado entre a “direita e a esquerda”. Concluem, igualmente, que triunfaram na letra da nossa recém-votada Constituição princípios “progressistas”, oriundos de uma suposta supremacia esquerdista dentro da representação popular.

Há, também, os que se desfiguram adotando posições supostamente socialistas ou assumindo um comportamento populista com o objetivo de ficarem bem com o povo.

Existem, da mesma forma, os que pactuam e transigem com os agitadores de ocasião, presumindo uma ilusória preferência das forças populares e outras quimeras eleitoreiras.

Todos eles se esquecem, entretanto, que as ideologias estão morrendo neste fim de século e que os brasileiros desejam, objetivamente, desvencilhar-se da herança do Estado paternalista, munificente e monopolizador que nos legou o fascismo estadonovista.

O debate atual é entre o antigo e o moderno. Entre a estagnação e o avanço. Agora ressurgem os aventureiros, os mais destacados expoentes da oligarquia dos usurpadores, insistindo na representação de um Brasil que não mais existe. De um passado que esta Jovem Nação, já no pórtico do novo milênio, condena como símbolo do insucesso, da incompetência e da imprevidência. De um estilo de fazer política subalterno e utilitarista, totalmente antagônico ao ímpeto de renovação das novas gerações brasileiras.

Querem voltar ao poder para continuarem o que aí está instituído e para manter-nos desassociados do mundo que se expande e se reencontra para a riqueza e a paz. Ressurge o discurso repetitivo dos slogans desacreditados, das propostas inconsistentes e das costumeiras ameaças ao patrimônio privado.

Ergue-se um complô de velhos enlouquecidos pela frustração e encorajados pelo vazio de novos valores políticos, resultante do regime autoritário, que chantageiam os líderes do poder econômico e desafiam a juventude inconformada.

A verdade é que o fatalismo que domina parte considerável das elites brasileiras quer atribuir ao senhor Leonel Brizola o titulo de reformador do País, emprestando-lhe um carisma próprio dos caudilhos provectos, do guia inevitável, do vingador providencial. É como se o Brasil devesse ao condutor populista uma reparação pelo malogro da ação dos grupos dos 11, da rede de legalidade ou das guerrilhas do Vale do Ribeira.

Por outro lado, ao seu mais notório e já nomeado oponente querem absolver da abdicação que nos levou ao sacrifício com o hiato sinistro da vida democrática brasileira.

A caricatura do ano de 1961 está pintada como um cenário de esperanças para 1989.

A proposta caudilhesca nada tem de esquerda, nem de direita, nem de coisa alguma. Trata-se, simplesmente, de uma proposta antiga, sem nenhum apelo consistente e sem qualquer identificação com os projetos de modernidade que a Nação inteira reivindica.

Seria uma traição aos ideais das novas gerações o propósito de retroagir aos procedimentos que a História já assinalou como a maior negação à causa da liberdade no Brasil. Os liberais brasileiros têm, portanto, o dever histórico de rever o conceito pernicioso do velho Estado fascista, opressor e perdulário. Os liberais brasileiros terão de preparar-se para a grande tarefa de correção dos métodos de ação política vigentes, que devem estar baseados na liberdade individual e no direito de propriedade. Os liberais brasileiros têm de reivindicar menos Estado, menos espoliação e mais respeito aos direitos da cidadania, tributada impiedosamente pela máquina estatal. É preciso se preocupar com o social, mas através do incentivo à criação de riquezas e longe das concessões oficiais.

O Brasil não quer imobilizar-se num debate inconsequente entre direita e esquerda, tão velho quanto a máquina a vapor. O Brasil jovem está indiferente às articulações das máfias na disputa do poder pelo poder. Queremos um projeto de governo competente e corajoso, que seja capaz de resgatar a confiança popular nas instituições democráticas. Queremos um governo que não transija com a rapina, a ilicitude e a incompetência. Queremos um presidente íntegro, sem mácula e sem compromissos com a política menor, capaz de mobilizar o povo para empreender a necessária revisão constitucional a ser efetuada daqui a cinco anos.

A Nação está insatisfeita e atônita. Os tecnocratas recrutados pela Nova República, ao implantarem, sob o império do decreto-lei, o devastador Plano Cruzado, repetindo as práticas totalitárias do regime militar naufragado, aumentaram ainda mais as sucessivas frustrações que o povo amarga desde 1961. A tecnocracia corrupta e impopular levou a Nação à crise mais dramática de sua História. E a demagogia populista impôs-se na Constituinte e, agora, prepara-se para consagrar, no exercício do poder, políticas já caducas no mundo desenvolvido.

Imaginando uma receita moderna para o Brasil de 1988, esses pseudo-progressistas repetem os chavões de 1960, logo após a fecunda era JK, ressuscitando as bandeiras de “o petróleo é nosso”, nacionalização dos minérios, estatização dos bancos, tabelamento de juros, redução das horas de trabalho, etc.

Quem visitou o Brasil no início da década de 60, ao voltar em 1988 terá a impressão de estar voltando no tempo, pois encontrará no palco principal dos acontecimentos políticos as mesmas figuras surradas daquela época, em busca de uma capa convincente de renovação para atrair um eleitorado que passou de 11 milhões para 80 milhões nesse período.

Naquela época, enquanto condecoravam Che Guevara, já falavam na opção pelos subdesenvolvidos, no neutralismo positivo, na luta anti-imperialista, no combate aos ricos, na moratória da dívida, na suspensão das remessas de lucro, na reforma agrária que esses representantes do passado ressuscitados tentam usar agora para empolgar o Brasil que já vive a aurora do século 21.

Ora, quem tem medo de Brizola e quem ainda quer Jânio de volta depois do que, aliados no mesmo projeto: golpista, fizeram de mal para o Brasil?

Liberal nenhum deste País tem o direito de voltar as costas para o futuro. De encontrar-se com os mesmos demagogos inescrupulosos que há mais de 30 anos enganam o povo com sua cantilena autoritária. De fazer conchavos com a súcia que degradou a administração do Rio de Janeiro.

Não podemos esquecer 1961, nem 1964. É preciso lembrar sempre e alertar as gerações que, durante 27 anos, foram esbulhadas no seu direito de votar para eleger o presidente da República.

Somente uma sociedade despreparada e enferma elegeria os senhores Jânio Quadros e Leonel Brizola como símbolos de suas esperanças e construtores do seu futuro. Somente a cupidez, a omissão e o oportunismo das nossas elites empurrariam o Brasil para a emboscada totalitária.

Aqueles que renegaram a democracia no passado e que agora, se aproveitam da decadência generalizada de valores a que nos levou o regime autoritário jamais merecerão o apoio dos liberais genuínos, que ainda não abdicaram de seus deveres históricos. Eles não passarão.

 

 

Publicado no O Globo, do Rio de Janeiro em 15/09/88 e Jornal da Manhã, de São Paulo-SP, em 20/10/88.

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