Começar de novo

12 de março de 1991
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Estabelecer o balanço de um ano de administração de um governo é tarefa bastante complexa principalmente quando se trata de uma gestão acentuadamente marcada por um período de fortes nuances mudancistas no tecido institucional. Mesmo assim, na condição de homem público, profundamente preocupado com os destinos do País, julgo meu dever apreciar o primeiro ano de governo Collor.

A questão econômica praticamente consumiu todos os espaços do governo Collor. A estratégia de combate à inflação, apoiada em dois planos, se teve o mérito de mexer com princípios e valores tradicionais e conservadores, que emperram a dinâmica da vida nacional, exibe muitas falhas. O paredão técnico criado pelo governo, estribado em cipoal de medidas nem sempre claras e lógicas, não teve correspondência em termos de resultados eficazes. Ao lado de índices inflacionários que ainda ameaçam desestabilizar o País, passamos a conviver com um processo de recessão que jogou milhares de empregados nas ruas e colocou centenas de empresas no fundo do poço. Pagar um preço demasiadamente alto para se chegar aos índices conseguidos não é, verdadeiramente, motivo de júbilo e comemoração.

O erro do governo, em sua estratégia global, foi o de esquecer, atenuar ou mesmo desprezar o papel do Congresso Nacional na administração da crise brasileira. Adotar um estilo cesarista de governo, em um momento em que o Parlamento assume novas forças, é monumental falta de visão. Ademais, abusar de um instrumento que deveria ser utilizado apenas em emergências acirrou as relações com o Legislativo. Em um ano, o governo enviou 148 MPs, o que contabiliza o uso de uma medida a cada dois dias e meio.

Em paralelo à crise econômica, o governo aumentou o grau de insatisfação da classe política. Não é sem razão que tem dificuldades até para unificar sua base de apoios no Congresso. O isolamento do presidente Fernando Collor se dá ainda como efeito de outros fatores. Ao manter a preocupação de estabelecer um contato direto com o que classifica de “descamisados”, o presidente passa por cima de setores mais organizados da sociedade que, por meio de suas entidades, significam forte poder de influência social. Esses setores acabam, também, por se afastar do governo, sentindo que suas expectativas não se ajustam ao compromisso da administração.

O resultado dessas decisões aí está. E certo que o governo evitou a hiperinflação, mas não acabou com a inflação. Iniciou a reforma administrativa, mas não conseguiu aumentar a eficiência da máquina burocrática. Financiou o déficit público, mas não corrigiu os desequilíbrios estruturais das contas públicas. Liberalizou a economia, mas não criou condições para modernizar o sistema produtivo. Conseguiu impacto, mas nenhum resultado com a proposta de renegociação da dívida. Impôs sacrifícios, mas não deu a contrapartida do sucesso ou pelo menos esperança.

A questão fundamental para a estabilização da economia – o saneamento do setor público – não foi resolvida, tornando praticamente inúteis os altos sacrifícios impostos à população. O aumento significativo da receita, a redução das despesas pelo arrocho salarial do funcionalismo e a diminuição dos encargos financeiros da dívida pública possibilitaram um equilíbrio de caixa. Parece muito difícil, porém, repetir, em 1991, esse resultado, que é modesto e insuficiente para um ajuste efetivo das contas públicas. A recessão deverá afetar a arrecadação fiscal e, do lado da receita, deve-se considerar o vencimento de quatro parcelas da devolução da poupança bloqueada.

O equilíbrio entre receita e despesa não basta. É indispensável recompor a capacidade do Estado de investir a fim de que possa cuidar da infraestrutura e do atendimento social. O negligenciamento na área social produziu, nos últimos anos, um quadro de extremas carências nas camadas mais baixas, comprometendo o nível de vida da população e o futuro de milhões de crianças e jovens, que estão marginalizados.

O presidente Collor precisa entender que os planos econômicos não convencem mais a sociedade. Ele está a dever um projeto de País à altura das expectativas que sua eleição despertou. Dou até um conselho. Ele precisa começar de novo, relendo o discurso de posse e, em cima dele, preparar o projeto. Os sucessivos planos tem desmentido categoricamente aquele notável pronunciamento. No curto prazo, o Brasil precisa efetivamente de um Pacto de Governabilidade, que depende, fundamentalmente, do Congresso e do Poder Executivo. O governo precisa acabar com seu isolamento. O Congresso Nacional tem de assumir a plenitude de suas altas funções. Não podemos conviver com medidas provisórias. Não há mais espaço para retórica e discursos pomposos. O País aguarda um projeto de longo prazo.

 

Publicado no O Estado de S.Paulo, de 12/03/91

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