Pronampe, Relp, Simples que não é renúncia… As micro e pequenas empresas e MEIs tiveram algumas conquistas importantes enquanto Guilherme Afif Domingos, 78, eterno ‘garoto-propaganda’ do empreendedorismo e dos pequenos negócios, foi assessor especial do Ministério da Economia.
Exonerado do cargo a pedido no último dia 17 de maio, o empresário, que é um dos arquitetos do regime do Simples Nacional e criador da figura jurídica do MEI, saiu para assumir o desafio de coordenar o plano de governo do ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) ao governo do estado de SP.
Nesse novo desafio, Afif configura um plano para atrair investimentos no sentido de recuperar emprego e renda no Estado, baseado na qualificação para a economia digital.
Também deve direcionar esforços para impulsionar o Jovem Aprendiz em São Paulo, programa que, no plano de governo, está previsto para ser implementado na micro e pequena empresa – inclusive no MEI, afirma.
“Com esse preparo e com essa munição, vamos enfrentar o desafio do emprego e da renda, e o investimento em educação para o trabalho será uma das grandes prioridades para mudar esse quadro agora.”
Afif foi ministro da Micro e Pequena Empresa e presidente do Sebrae no governo Dilma Rousseff, e vice-governador na gestão Geraldo Alckmin, entre outros cargos. Também presidiu a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) duas vezes, períodos em que a entidade passou a lutar pela simplificação dos impostos e por um regime fiscal diferenciado para a micro e pequena empresa.
A seguir, em conversa com o Diário do Comércio, Afif fala de sua passagem pelo Ministério da Economia, o status das mudanças no MEI e do Simples e sobre o cenário para os pequenos negócios em ano eleitoral:
As conquistas das MPEs são uma marca positiva do governo federal desde o início da pandemia. Qual balanço o senhor faz desse período à frente dessas ações no Ministério?
Acredito que a própria pandemia reforçou a compreensão do papel da pequena empresa na geração de emprego e renda, e daí vem a mobilização que fizemos tanto no Congresso, quanto dentro do governo em torno desses temas. Inclusive enfrentando quem não considera a pequena empresa fundamental, pois só trabalha com grandes números.
Posso dizer que foi uma vitória, pois contamos com o apoio incondicional do ministro Paulo Guedes, um trabalho conjunto do Ministério com o Congresso Nacional – tanto que conseguimos aprovar essas medidas por unanimidade.
Agora, o mais importante foi emplacar algo em que trabalho há muitos anos, o Fampe (Fundo de Aval à Micro e Pequena Empresa), que nunca foi considerado importante na concessão de crédito.
Era mais fácil cobrar um spread altíssimo para emprestar aos pequenos do que ter um fundo que bancasse o processo de inadimplência. Porque nós sabemos, a inadimplência é baixa porque o pequeno é pontual.
De quanto é esse índice de inadimplência hoje?
Dentro do Pronampe, ele é de 3%, 4%. E no meio de uma crise! O que aconteceu é que foi vitoriosa a tese do fundo garantidor, e surgiram o FGO (Fundo Garantidor de Operações, ligado ao Pronampe) e o FGI (Fundo Garantidor de Investimentos, ligado ao BNDES), bancados pelo Tesouro Nacional.
Portanto, é dinheiro do Tesouro para bancar a inadimplência, para o mercado poder emprestar dinheiro com uma garantia.
Por enquanto, ainda estamos num período excepcional, de mitigar os efeitos da pandemia e o impacto que teve em cima das empresas, mas considero uma grande vitória a consagração do conceito dos fundos de aval. Tanto que agora o Pronampe se tornou permanente como garantidor de operações [por meio do FGO], cujo montante nós vamos regular daqui para frente.
Quais os projetos voltados à pequena empresa paulista no programa de governo que o senhor elaborou para o candidato Tarcísio Gomes de Freitas?
Minha cultura sempre foi voltada ao emprego e renda. Não existe política social que traga efeitos se não resultar em emprego e renda, ou então ela é inócua. O empreendedorismo é a base da emancipação do povo mais humilde, pois é voltado também à educação, à preparação, à educação básica que é fundamental para qualificar as pessoas, ora para ser trabalhador, ora pra ser empreendedor.
Sou o criador da figura do MEI, e vimos a explosão de 12, 13 milhões de microempreendedores individuais na pandemia, que nada mais foi do que a busca pela sobrevivência das pessoas com base na formalização da sua atividade, que antes era feita ‘por debaixo do pano’, informalmente.
Agora estamos perto de conquistar mais um ponto, que é o limite de faturamento do MEI passar para R$ 144 mil [atualmente é de R$ 81 mil]. E podendo empregar dois funcionários.
Como está o status dessa mudança no Congresso?
O projeto está em andamento, e será aprovado dentro do Ministério da Economia porque já fizemos as alterações necessárias nesse sentido. Com esse preparo e com essa munição, vamos enfrentar o desafio do emprego e da renda.
E não se esquecendo do Jovem Aprendiz, um programa que falei para o Tarcísio para implementarmos na micro e pequena empresa, e inclusive no MEI. É um programa de grande repercussão, ao qual estou voltado integralmente.
Fora isso, o próprio candidato ao governo de SP tem uma visão extraordinária de infraestrutura, pois os investimentos pesados nesse campo pela iniciativa privada se tornam um excelente polo gerador de empregos. Portanto, a palavra de ordem [do programa de governo] é a recuperação do emprego.
Já que o senhor falou do limite do MEI, como está o projeto que eleva o teto do Simples?
Há muita resistência dos Estados. Inclusive preveni o Alfredo [Cotait, presidente da ACSP, que apoia a campanha] e o Marco Bertaiolli [deputado federal e presidente da Frente Parlamentar da Micro e Pequena Empresa] que estão nessa empreitada. Estou de acordo, apoio, mas nesse instante a resistência dos governadores vai ser muito forte. Teremos que quebrar a barreira de resistência para chegar lá.
Essa resistência tem a ver com a queda de arrecadação na pandemia?
A simplificação da vida do empreendedor não é simples. O Simples não é isenção, conforme foi provado. Simples é a simplificação da forma de recolher o imposto. Fora do Simples, o cara cai no complicado, e o complicado mata. Por isso todos querem o Simples com limite maior. Então vamos lutar, a luta continua.
O senhor atuou no governo do PT de Lula, na gestão Dilma Rousseff, e no do atual presidente, os dois candidatos que estão à frente na corrida ao Planalto. Como é participar de duas gestões que têm visões tão diferentes?
Para os dois, fui convidado pela minha especialidade [as MPEs]. Ela [Dilma] quis fazer acertadamente um Ministério da Micro e Pequena Empresa, e a grande frustração é que foi obrigado a fechar naquela primeira reforma, que fez um enxugamento em toda a estrutura do Estado.
Mas ela me falou: você vai para o Sebrae por conta do seu trabalho. A ex-presidente foi muito correta, e eu tive o melhor relacionamento possível com ela e as pessoas do seu governo no que tange à política da pequena empresa.
Isso não significa endossar eventuais erros que tenham acontecido, mas não posso dizer que tive uma atuação prejudicada por ser [governo] do PT. Sempre fui muito bem tratado e muito respeitado, tanto por sua gestão como pelo partido.
Mas quais as semelhanças e as diferenças que encontrou na anterior e na atual? E as perspectivas?
A principal diferença é o [ministro] Paulo Guedes. Estou aqui por conta dele, não foi o presidente Bolsonaro que me chamou. Foi o Guedes, e com uma razão: porque ele escreveu o programa econômico da minha candidatura à presidência da República, em 1989. Ele me chamou e falou: sonhamos juntos lá atrás [com a implementação de um modelo liberal na economia], agora venha me ajudar a realizá-lo.
E nós conseguimos ajudar, dentro da medida do possível, das circunstâncias, e obtivemos todas aquelas conquistas, assim como tivemos conquistas importantes no governo Dilma. Portanto, digo, em nenhuma das duas gestões houve atrasos na agenda da micro e pequena empresa e dos MEIs, e deve continuar assim.
Quais as perspectivas que o senhor enxerga para os pequenos negócios em ano eleitoral, e com cenário econômico ainda complicado?
Nós estamos ainda numa corrida de recuperação, e as coisas estão voltando prejudicadas por uma inflação que não é nossa. No jogo político, infelizmente tenta-se imputar a uma parte a culpa toda do processo, mas não é verdade.
O governo tem sido responsável no controle dos gastos, apesar da pandemia. Para se ter uma ideia da pancada que foi, quando fizemos a reforma da Previdência, esperava-se em 10 anos economizar R$ 800 bilhões. Veio a pandemia e gastou-se R$ 800 bi em um ano.
Foi uma pancada em que tivemos que ficar segurando o gasto público, o ajuste salarial do funcionalismo, até porque, enquanto a sociedade perdeu emprego ou teve redução de salário, o setor público ficou em casa sem nenhum tipo de atribulação financeira. Então a contrapartida foi a não-correção do salário.
Isso segurou os custos da máquina pública em todo o Brasil: União, Estados e Municípios, e nós vamos terminar o governo com um gasto menor do que nós pegamos. Então veja, tirando o que foi gasto na pandemia, as contas públicas não ficaram descontroladas. Mas por outro lado, as cadeias de produção desmontaram, o custo das commodities foi lá em cima.
Se de um lado beneficiou a economia brasileira, de outro encareceu. Há inflação de quase dois dígitos nos Estados Unidos, na Inglaterra… nunca vimos isso na vida. É um fator externo. Só que os fundamentos da nossa economia são sólidos, nossas reservas são sólidas, portanto, o Brasil não é um risco. Principalmente para o investidor externo, que vem atrás de oportunidades para investir em infraestrutura, gerar empregos. Então, esses fundamentos garantem que possamos ter um segundo semestre melhor que o primeiro.
Na pandemia, muitos viraram MEIs por necessidade. O que falta para mudar o status do empreendedorismo ‘de necessidade’ para o ‘de oportunidade’?
Gerar as oportunidades primeiro, e oferecer qualificação. Quando você olha o desemprego, o que tem de vaga que não se consegue preencher por falta de qualificação… É um negócio muito grande.
Por outro lado, há uma oferta de gente que não tem a qualificação necessária porque o modelo econômico está mudando, a digitalização está mudando mais ainda, há um processo de alterações rápidas e muito severas, então temos de preparar esse povo todo para a demanda. Portanto, o investimento em educação para o trabalho é uma das grandes prioridades para mudar esse quadro agora.
Falando nisso, há alguma perspectiva de o senhor assumir algum cargo no governo paulista, caso o candidato Tarcísio de Freitas vença a eleição?
Nunca olhei para isso. Hoje, pela minha idade, sou mais um coach.
IMAGEM: Charles Damasceno