2003. O ano dos grandes desafios

Janeiro de 2003
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O diretor do Sebrae, em 1997, responsável pela mobilização que resultou na lei do Simples e no Novo Estatuto das Micro e Pequenas Empresas, concorrente à presidência da República em1989, Guilherme Afif Domingos, atual presidente Emérito da Confederação das Associações Comerciais do Brasil e diretor presidente da Indiana Seguros, faz uma análise do atual quadro político e econômico do País e comenta sobre as reformas Fiscal, Tributária e Previdenciária, enfatizando a importância da inclusão social, principalmente dos jovens entre 14 e 18 anos.

Como o senhor analisa os primeiros dias do governo Lula?

Guilherme Afif Domingos – Vejo como positivo o fato de não estar adotando medidas heróicas, que era o que assustava o mercado e a sociedade. Ele está demonstrando bom senso, moderação. Logicamente ele levantou um tema para ocupar espaço, o programa “Fome Zero”. Também isto não é uma grande novidade porque está calcado no programa do falecido Betinho. Esperamos que daqui para frente e, o mais rápido possível, ele possa colocar as reformas estruturais nas devidas prioridades, para sinalizar a todos e, principalmente, aos agentes econômicos a que veio o governo.

O senhor acredita na eficácia desses projetos sociais: Fome Zero e Erradicação do Analfabetismo no Brasil?

Guilherme Afif Domingos – Eu acho que o governo está muito mais no campo das intenções do que efetivamente da operacionalização. Quanto ao Fome Zero, eu tenho dúvidas. É preciso evitar que não resvale num programa assistencialista. Agora, quanto à Erradicação do Analfabetismo, eu acho que é uma convocação inviável. O grande desafio do Brasil e que ninguém está falando é a Reforma Fiscal – essencial e que precisa ser feita. Como o grande problema do Brasil é o centralismo burocrático, que inviabiliza todo e qualquer produto porque o dinheiro se perde no custo das máquinas, chegando muito pouco na ponta, a Reforma Fiscal é essencial para o Brasil.

Por que a Reforma Fiscal é mais importante que a Tributária?

Guilherme Afif Domingos – Porque ela leva em conta o princípio da subsidiariedade do poder, ou seja: tudo que o Município puder fazer melhor, que o Estado não o faça; tudo que o Estado puder fazer melhor, que a União não o faça, e tudo que o cidadão e a sociedade organizada puderem fazer melhor, que nem a União, nem os Estados e nem os Municípios o façam, e nem atrapalhem quem faz. Portanto, na minha ótica, o sucesso dos programas sociais depende da Reforma Fiscal e da revisão das atribuições. É importante deixar a atribuição para a ponta e não para a cúpula.

A Reforma Fiscal, logicamente, é um componente da grande Reforma Tributária que o País espera, almeja e não acontece. O senhor acredita que ela possa ser aprovada no primeiro ano do governo Lula?

Guilherme Afif Domingos – Fala-se muito em Reforma Tributária, mas em síntese, a tônica do debate é a seguinte: governo pensando em aumentar impostos e a sociedade produtiva pensando em diminuir. E o que tem ocorrido é sempre a prevalência do aumento de impostos. Veja aí os festivais de final de ano. Até esse governo já entrou na onda.

E a Reforma da Previdência? Como o senhor vê esta questão? Ela também é vital para o País?

Guilherme Afif Domingos – Sem a Reforma da Previdência não se pode falar em justiça social. O que existe hoje é uma profunda injustiça, uma profunda desigualdade e uma descarada defesa daquilo que se chamaria de direitos adquiridos, mas na verdade são privilégios adquiridos que, se forem mantidos, derrubam qualquer governo.

O senhor acredita que nessa queda de braços o governo Lula tem condições de ganhar dessas oligarquias, desses poderes instituídos?

Guilherme Afif Domingos – Não são só as oligarquias. São as oligarquias aliadas às corporações. Temos no Brasil uma aliança entre oligarquias mais corporações que prevaleceram sobre a sociedade. Um governo que vem com essa força de mudanças e ânsia de reformas, precisa sinalizar a que veio, e isso significa exatamente estabelecer igualdade de direitos entre todos os cidadãos. Porque hoje nós temos cidadão de primeira e cidadão de segunda categoria. Os de primeira são os privilegiados que usam as leis e o poder a favor de si mesmos. E estes, botam a conta para os cidadãos de segunda classe pagar.

De segunda, de terceira e até de quarta categoria, não?

Guilherme Afif Domingos – Quando eu me refiro à segunda categoria falo exatamente do resto da sociedade. Temos um problema de exclusão que é o maior desafio para o País. Sem a palavra mágica: inclusão, não poderemos construir uma Nação. Cada dia mais, estamos vendo aí um processo perverso. Em minhas palestras tenho afirmado que os 10% mais ricos do País detêm 50% da renda. Agora o que assusta são os critérios adotados para enquadrar os 10% mais ricos. São aqueles que têm de preencher duas dessas três condições: primeiro, ter uma casa, segundo, ter um diploma universitário e terceiro, ganhar mais de R$ 600,00 por mês. Portanto, veja como é baixo o critério de riqueza no País. Temos um terrível processo de desigualdade. Mas, o que precisamos não é de um fenômeno de transferência de renda, é de um fenômeno de criação e distribuição de novas rendas. Daí o conceito de desenvolvimento.

O senhor acredita que o presidente Lula vai conseguir coordenar essas forças, fazer as reformas necessárias, enfim, encaminhar o País?

Guilherme Afif Domingos – Enquanto sociedade, temos de ajudar. Só tenho dúvidas porque a expectativa que foi gerada é muito maior do que a capacidade de atendimento. O fato é que transformaram o Lula num semideus. E ele é um ser humano com todas as limitações existentes e não é nenhum super-homem. Agora, o importante é que ele tem um desejo muito firme. Eu estou torcendo efetivamente, porque ele não tem muito tempo não. Ele tem de demonstrar isto neste ano. Pelo menos mostrar o caminho.

Sobre as taxas de desemprego que se mantém em alta? Na sua opinião, o que é preciso fazer para reverter esse quadro?

Guilherme Afif Domingos – No cerne dessa questão está o setor público. Porque se o setor público brasileiro tiver um desequilíbrio que leve os agentes a não confiarem, poderemos ter sérios problemas. Daí a importância da Reforma Previdenciária, não que ela resolva o problema no curto prazo, mas poderá apontar uma tendência de reversão da insolvência do Estado brasileiro. Na hora que isso acontecer, você sinaliza com a possibilidade de estabilização das taxas de juros. E a estabilização das taxas de juros, sinaliza a perspectiva de uma coerência nos gastos que a Reforma Fiscal possa trazer. Ou seja, uma perspectiva de equilíbrio das contas públicas e do equacionamento no médio e longo prazo dessas contas já são o suficiente para sinalizar recursos provenientes de investimentos e não simples remessa de dinheiro especulativo. Portanto, a taxa de juros é uma consequência do desequilíbrio das contas públicas. Se estas forem atacadas como prioridade número um do governo trarão as taxas de juros para patamares mais suportáveis, permitindo uma retomada do desenvolvimento.

E enquanto isso não acontece …?

Guilherme Afif Domingos – Enquanto isso não acontece, nós estaremos aí com sérias restrições e com pressão inflacionária. E essa pressão inflacionária está no cerne do problema brasileiro, porque vem sendo brutalmente forçada pelo aumento das tarifas públicas. Isso porque as tarifas públicas contêm impostos e ao governo interessa deixá-las soltas para aumentar a arrecadação. Só que o saco sem fundo, continua sem fundo, continua furado. Ou seja, o País precisa fazer uma brutal contenção de despesas e de desperdícios para poder retomar o desenvolvimento. Sem isso, tudo o mais é conversa fiada.

No caso de São Paulo, a prefeita Marta Suplicy vem aumentando impostos e criando novas taxas. Ela não está na contramão dessa sua teoria?

Guilherme Afif Domingos – Absolutamente sim. Governar aumentando impostos é fácil para qualquer um. Governar aumentando eficiência só para os mais capazes.

E quanto aos jovens que querem entrar no mercado de trabalho e não encontram vagas? Em uma de suas palestras o senhor afirmou que o desemprego chega a 50% na faixa etária entre 14 a 18 anos. Como resolver esse tema no Brasil?

Guilherme Afif Domingos – Primeiro, como já disse, com a retomada do desenvolvimento e das oportunidades, mas só isso não adianta. E nesta faixa especificamente que os empresários precisam investir pesado, transformando cada empresa em uma escola, a escola do trabalho. Então, não é o problema de dar emprego para o office-boy, é o problema da empresa se organizar para fazer a escolinha de entrada destes adolescentes no mercado de trabalho – a Lei de n°10.097 vem ao encontro disso. Eu mesmo, aqui na Indiana Seguros estarei lançando, no dia 1° de fevereiro, o nosso programa de aprendiz. Nós estamos montando um programa com 12 aprendizes de 14 anos. Eles vão passar dois anos dentro da empresa como se estivessem em uma escola.

Essa é uma iniciativa isolada da Indiana Seguros?

Guilherme Afif Domingos – Não, estamos em parceria com entidades assistenciais como manda a lei. Só que esses jovens de 14 anos vão começar a trabalhar aqui, com o salário de aprendiz. Eles terão quatro horas de trabalho prático e duas horas de aula teórica. E nós estamos mobilizando a empresa toda como voluntários, porque os professores desses jovens serão os próprios funcionários. Isso aumenta a responsabilidade social da empresa. Se cada empresa assumir esta missão nós já estaremos dando um grande passo, porque esses adolescentes, depois de dois anos de aprendizado, já serão profissionais, uma vez que vão receber um diploma. No caso específico da Indiana Seguros, o diploma é de auxiliar técnico. Mas, vão aprender aqui também computação, boas maneiras, como lidar com o público, enfim, o exemplo, a disciplina, e principalmente como funciona uma empresa. Com essa iniciativa, tenho certeza que estaremos contribuindo para que esses garotos não se encaminhem para o quarto setor – o do crime organizado.

Bom seria que outras empresas seguissem o exemplo, não?

Guilherme Afif Domingos – O que nós pretendemos é exatamente dar projeção a iniciativas como essas. Esse é o objetivo do Movimento Degrau. Agora, eu como um dos coordenadores do Movimento, tenho de dar o exemplo.

O Movimento Degrau está amparado por entidades do Terceiro Setor?

Guilherme Afif Domingos – Sim, de acordo com a ei, as entidades do Terceiro Setor, são responsáveis pela certificação. Então é um programa de convivência, de aprendizado no trabalho. O menor estará trabalhando e aprendendo. Não é simplesmente entrar de office boy e com o tempo ir aprendendo dentro da empresa, de forma empírica. Aqui ele vai ter um curso de formação.

As empresas de serviços são as que mais empregam no País, como o senhor analisa os vetos da Medida Provisória 66, que trarão consequências diretas para este setor?

Guilherme Afif Domingos – Eu acho que isso é uma vergonha. Aquela minirreforma a título de melhorar as condições tributárias sobre o problema do imposto em cascata, na verdade trouxe um ônus muito grande para o setor de serviços, O que fez então o Congresso quando percebeu: o governo tinha interesse em manter a alíquota de Imposto de Renda alta, ou seja, manter toda a carga tributária e mais esta minirreforma que na verdade não alterou em nada a arrecadação do governo. Porque se a Medida tirou impostos em cascata dos setores industriais ela sobrecarregou o setor de serviços. E aí o Congresso primeiro resolveu negociar com o governo para a manutenção das alíquotas que o governo desejava em outros impostos, por conta do alívio de determinados setores, com a inclusão no Simples, de vários setores e isto foi negociado entre lideranças e governo. Infelizmente, no apagar das luzes, no dia 30 de dezembro, quando todo o mundo já estava na festa, distraído, o presidente que saia, para fazer média com o presidente eleito, vetou tudo, rompendo com os acordos, rompendo com a palavra. Eu ainda tenho esperança que este veto possa ser derrubado.

Como o senhor vê a Contabilidade Gerencial, onde o profissional atua como assessor estratégico para as empresas?

Guilherme Afif Domingos – Esse é um sonho. Que a Contabilidade esteja efetivamente nas grandes corporações a serviço da gestão, mas infelizmente, a Contabilidade acaba sendo na massa das empresas muito mais um instrumento do fisco do que de gestão. Porque o sistema tributário é um convite à informalidade. É um convite não, é uma mensagem de que o empresário só poderá sobreviver dentro desse emaranhado, tendo algum grau de informalidade. Portanto, a peça contábil passa a ser para demonstração do fisco e não um instrumento de gestão. O grande passo nesse sentido foi dado com o Simples. Seu objetivo era exatamente facilitar para que a Contabilidade se transformasse num verdadeiro instrumento de gestão, controle da empresa, controle dos estoques, uso do código de barras de forma absolutamente generalizada para que pudesse, através da informatização das pequenas empresas, quase que ter uma Contabilidade Online, utilizando-se o próprio instrumento de gestão. Eu acho que esse é um sonho que deve ser perseguido.

 

Publicada na revista Mensário do Contabilista, em janeiro de  2003

 

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